quinta-feira, 19 de julho de 2012

AVALIAR O CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS

Torna-se importante fazer uma breve análise à Importância da Avaliação do Consumo de Substâncias. Esta é, juntamente com outras questões, a primeira função do Terapeuta, num Centro de Tratamento – obviamente, trabalhando inserido numa realidade multidisciplinar (Médico, Psiquiátra, Assistênte Social, Conselheiro em Comportamentos Adictivos).

Deste modo, numa avaliação do consumo de substâncias, devem-se considerar todos os problemas que estão relacionados com a adicção, devendo-se, pois, avaliar as seguintes áreas: 1) as condições físicas, assim como o estado geral de saúde, com especial atenção a situações que possam resultar de consequências do consumo de drogas e/ou álcool ou dos comportamentos produzidos pelos consumos (VIH, hepatites, tuberculose); 2) a coesão familiar e social, sendo importante compreender quais os elementos familiares a envolver no processo terapêutico, assim como as relações do paciente com os seus significativos e áreas a trabalhar; 3) a situação económica, com o objectivo de saber questões relacionadas com ocupação profissional e possíveis áreas a trabalhar, assim como saber as possibilidades do investimento num tratamento; 4) a situação jurídico-legal, no sentido de se ter total conhecimento de potenciais problemas do pacientes, evitanto surpresas negativas e eliminando obstáculos ao processo terapêutico. 5) o estado psicológico.

Para além destes pontos, torna-se fundamental e de um modo bastante específico, avaliar as questões relativas à conduta adictiva: hábitos, formas e substâncias de consumo, consequências nefastas da problemática, motivação para tratamento, historial do consumo, etc.

Na recolha de toda esta informação deve ser planificada a selecção de instrumentos e técnicas a utilizar.

A entrevista é, seguramente, a técnica mais utilizada nos procedimentos de avaliação do comportamento adictivo. Para além de iniciar uma possível relação terapêutica, permite recolher informações subjectivas pertinentes (estados físicos, expressão facial, contacto ocular, formas de resposta).

Outra técnica utilizada é o auto-registo. Consiste num conjunto de folhas de registo diário, onde é anotado, pelo avaliado, as circunstâncias que antecedem o momento do consumo, assim como as consequências do mesmo. Possibilita saber os pensamentos e sentimentos do sujeito antes e depois do acto de consumir, para além de envolvê-lo numa realidade de responsabilidade onde terá, também, de tomar consciência das questões que influenciam os consumos, e as que por ele são influenciadas.

A avaliação quantitativa diz respeito a diversos questionários que se podem usar para a recolha de informação. O Addiction Severity Index, de McLelland, é dividido em 7 áreas a avaliar: consumo de drogas, consumo de álcool, área familiar e relações sociais, saúde física, problemas legais, área laboral e económica e estado psiquiátrico. Convém mencionar que o entrevistado irá atribuir uma cotação à gravidade dos seus problemas. De igual modo, outros questionários utilizados são o Drug Abuse Screening Test (DAST), de Skinner, e o Michigan Alcoholism Sreening Test (MAST).

Por outro lado, torna-se pertinente proceder-se a testes biológicos que permitam despistar qualquer tipo de informação que seja ocultada. Assim, a análise à urina é a prova mais, recorrentemente, utilizada. Permite, também, reforçar a resistência aos consumos por parte do avaliado (sabe que há um certo controlo) e, por sua vez, aumentar a abstinência. Mais especificamente relacionado com o consumo de álcool, há 3 situações que devem merecer especial atenção: a avaliação da concentração sanguínea de álcool, através de teste de alcoolemia; a análise à gama-glutamil-transpeptidase (GGT) (enzima cujo valores são aumentados, por indução hepática, como consequência da ingestão de álcool); e a análise aos valores do volume corpuscular médio (VCM) (valores de glóbulos vermelhos que está associado ao consumo excessivo de álcool).

Um outro instrumento a utilizar é, sem dúvida, a entrevista junto de outros significativos, isto é, aos familiares, amigos e pessoas mais próximas do indivíduo em causa, de forma a complementar toda a informação fornecida pelo próprio.

De referir que toda esta recolha informativa é um processo contínuo e sempre utilizado durante o processo de tratamento de um paciente. Nesta avaliação é importante a definição de 3 pontos: o envolvimento de todos os profissionais necessários; o envolvimento de diferentes instrumentos e técnicas de avaliação; e adequar o plano de avaliação a cada caso particular e concreto.

MODELO DE PROCHASCA E DICLEMENTE

Um dos Modelos mais importantes na fase de avaliação do Paciente, assim como no seu período de tratamento, é o chamado Modelo Transteórico de Prochasca e Diclemente.

Este Modelo é essencial para contextualizar o Paciente em termos de motivação para a mudança, tanto na avaliação inicial (já referida neste espaço), como durante todo o Processo Terapêutico, já que sem estar motivado, o Paciente dificilmente poderá responder a um Plano Terapêutico.

Diversos autores (nomeadamente Miller e Rollnick, 2001) referem que a motivação é um estado de prontidão e vontade de mudança que está sujeito a oscilações em função das diferentes situações que possam surgir ao longo do processo de um Paciente, e nunca deve ser entendida como um problema ou traço de personalidade deste.
Este Modelo refere a presença de 5 estádios de Mudança no indivíduo que não obedecem a um ciclo rígido, ou seja, não há obrigatoriamente uma ordem na qual este transita de uma fase para outra. Na verdade, este Modelo refere que o indivíduo poderá transitar nos dois sentidos, isto é, evoluindo para o estádio seguinte ou regredindo para um dos anteriores.

Deste modo, o primeiro estádio é entendido como pré-contemplação: é a fase em que se observam formas de pensamentos adictivos que possam subsidiar a manutenção dos consumos, isto é, não há qualquer reconhecimento de comportamentos problemáticos e qualquer intenção de mudança.

No estádio de contemplação, o indivíduo tanto reconhece como rejeita a existência de um consumo problemático. Simultaneamente, há comportamentos favorecedores dos consumos e, igualmente, momentos de preocupação relativamente aos mesmos. Assim, há uma enorme ambivalência sobre a sua motivação para a mudança.

O terceiro estádio é o de preparação que, como o nome indica, o sujeito já reconhece e pondera as consequências dos seus consumos. Inicia, então, uma reflexão sobre a possibilidade de abandonar estes comportamentos.


No estádio de acção, verificam-se algumas acções e movimentos do indivíduo, que procura a mudança no sentido de abandonar os seus consumos e comportamentos problemáticos.

No último estádio, o de manutenção da acção, o sujeito continuará a manter comportamentos que estejam relacionados com a eliminação de consumos e comportamentos problemáticos mantendo, igualmente, a motivação numa mudança constante.

Deste modo, trabalhar a motivação para a mudança do Paciente é fundamental, até porque toda e qualquer intervenção no âmbito do tratamento das dependências requer uma forte motivação da parte do indivíduo.

Interessa, então, levá-lo a um processo de consciência a respeito do seu beber (no caso do alcoolismo) problemático e das consequências dos seus comportamentos, assim como envolvê-lo num compromisso para com o seu próprio tratamento.

De forma a trabalhar a motivação do Paciente, fundamentalmente numa fase inicial de intervenção, pode utilizar-se a Entrevista Motivacional proposta por dois autores já referidos neste artigo: Miller e Rollnick. Esta técnica pode ser aplicada nos diferentes Processos Terapêuticos com o objectivo de ajudar as pessoas a reconhecer os seus problemas sendo, principalmente, útil para aquelas que se apresentam num estado de ambivalência em relação à possibilidade de alterar comportamentos negativos.

Por outro lado, a Entrevista Motivacional, implica alguns princípios gerais por parte de quem a utiliza. São, essencialmente, cinco: expressar empatia, desenvolver a discrepância, evitar argumentação, acompanhar a resistência do Paciente e promover a auto-eficácia.

A empatia é essencial, e está relacionada com a aceitação, conduzida por uma escuta reflexiva, respeitosa e compreensiva, onde o Terapeuta deve procurar as interpretações do Paciente, sem nunca o julgar ou corrigir. Todavia, esta aceitação não significa concordância ou aprovação.
Quando se trabalha com Pacientes dependentes, observa-se que os seus Mecanismos de Defesa (negação, minimização, justificação) são enormes sendo, por isso, importante confrontá-lo com as consequências negativas que os seus comportamentos originam. Esta situação desenvolve um conflito entre o comportamento negativo e as metas que o Paciente quer atingir para a sua vida. Quando o Paciente tem consciência desta discrepância, é provável que a mudança venha a acontecer.

Evitar a argumentação é outro dos princípios desta técnica. Deve-se, pois, evitar a confrontação directa de ideias, fazendo sempre para que ocorra, no Paciente, uma tomada de consciência do problema relativamente ao qual é necessário fazer algo. Deste modo, evita-se, também, que o paciente pense que perdeu a sua liberdade de escolha e de agir como mais lhe possa agradar.

Outro princípio da Entrevista Motivacional relaciona-se com a capacidade do Terapeuta acompanhar a resistência do Paciente, devolvendo-lhe as questões ou problemas, com o objectivo de ser ele a encontrar soluções, garantindo autonomia e responsabilidade. É importante apenas orientar o Paciente quando este dá garantias de ter capacidades e que necessita apenas de uma orientação.

Por último, deve-se promover a auto-eficácia, comprometendo o Paciente com a responsabilidade à mudança e eliminando qualquer ideia ou crença de que é o Terapeuta que a poderá operar. Torna-se, pois, importante apelar-se à responsabilidade do Paciente em decidir e realizar as suas mudanças pessoais.

terça-feira, 17 de julho de 2012

TEORIAS

Hoje vou escrever-vos sobre algumas teorias para o consumo de drogas.

Tratando-se de um fenómeno bastante complexo, despertando bastante interesse e sendo alvo de inúmeros estudos e publicações, existem um conjunto de teorias que procuram explicar os porquês do consumo de drogas. 

Em primeiro lugar, destaco a Teoria Biológica da Adicção, que favorece que esta é uma doença crónica, logo incurável, que resulta da exposição do cérebro aos efeitos das substâncias. Segundo alguns autores, após tal exposição verificam-se diferenças do cérebro do adicto e do não adicto nas actividades metabólicas, na disponibilidade dos receptores, da expressão génica e da resposta às alterações do meio.


Ainda relativamente às abordagens biológicas, podemos falar na Teoria da Auto-medicação. Esta defende a ideia de que o adicto consome substâncias (depois de as ter experimentar) no sentido de retirar delas os efeitos positivos para a resolução dos seus problemas, ou seja, consome em benefício próprio. Também de referir que, de acordo com esta teoria, o adicto recorre ao consumo de drogas para eliminar sensações ou sentimentos desagradáveis. 

Para finalizar este âmbito dos modelos biológicos, menciono, também, estudos que procuram explicações genéticas nos consumos de drogas. É consensual que há uma maior prevalência do problema do alcoolismo em famílias que apresentam historial de consumo de álcool. Vários estudos indicam que filhos biológicos de alcoólicos, mais tarde adoptados por outros, têm quatro vezes mais probabilidades de desenvolverem dependência ou adicção (como quiserem) do álcool. 

Num outro âmbito de explicações para o consumo de drogas, a perspectiva das teorias da aprendizagem procura explicar os comportamentos como sendo adquiridos de acordo com as leis da aprendizagem do condicionamento clássico, operante ou por aprendizagem social. Deste modo, Bandura refere os processos de imitação comportamental, diferenciando duas etapas: a de aquisição (observação do comportamento do modelo, tendo como competências utilizadas a atenção e a retenção) e a do desempenho (reprodução do comportamento observado e retido). No caso do consumo de drogas, um indivíduo observa a conduta dos outros, adquirindo informação que lhe permite, posteriormente, a reprodução dessa mesma conduta. Convêm mencionar que o indivíduo não se limita a copiar o comportamento, já que existe uma avaliação e análise crítica do mesmo, o que possibilita uma decisão sobre a reprodução ou não do comportamento observado.


 Existe, por outro lado, um conjunto diferente de teorias que se focalizam nos percursos evolutivos do consumo de drogas. É exemplo disso o Modelo Evolutivo de Kandel. De acordo com este autor, os consumos respeitam etapas ou passos sequenciais, partindo da fase de iniciação para a passagem às etapas seguintes que representam a progressão evolutiva dos consumos de drogas. Deste modo, o consumo de drogas começa, normalmente, pelo uso de álcool e de tabaco, progredindo para o consumo de marijuana e, nalguns indivíduos, evolui para o consumo de estimulantes (anfetaminas e cocaína), opiácios (morfina, heroína e metadona), alucinogéneos (mescalina e L.S.D.) e outras substâncias ilícitas.

 Por último, apresento a Teoria da Socialização Primária de Oetting et al. (e outros)., que parte da ideia básica de que todas as condutas socias humanas são aprendidas por via da aprendizagem (não esquecendo, porém, as bases biológicas inquestionáveis). Sendo assim, todos os comportamentos desviantes, como o consumo de drogas, são adquiridos através da aprendizagem, no decorrer do processo de socialização primária. Daí que, se num seio familiar existir comportamentos problemáticos, a criança ou adolescente, terá maiores probabilidades de vir a reproduzir tais condutas. Por outro lado, a escola, como outro elemento importante de socialização primária, ganha maior importância na transmissão de condutas adequadas ou desviantes. De acordo com esta teoria, o grupo de pares é a terceira fonte de socialização primária, “actuando” em conjunto com as influências da família e da escola. Por outro lado, esta teoria defende que os traços físicos, emocionais e sociais do indivíduo, têm influencia no seu comportamento, constituindo assim factores de risco ou de protecção, relativamente a comportamentos desviantes como o consumo de drogas.

Deste modo, a inteligência poderá levar ao sucesso escolar sendo, neste caso, um factor de protecção. Como fontes de socialização secundária, a teoria considera as características da comunidade (bairro, cidade, área geográficfa, o nível de urbanização, densidade populacional, a mobilidade da população, oportunidades sociais), da família alargada, dos grupos que integram associações, da religião, do ambiente dos pares em geral e dos meios de comunicação social.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

ADICÇÃO

(O 1º de diversos textos publicados num Jornal Regional)

Inicio, hoje, um espaço dedicado à problemática questão das dependências químicas e comportamentais. Irei, ao longo do tempo, abordar aspectos relacionados com a doença e com o tratamento. 

Em termos mais históricos e de contextualização, o termo “adicção” (“addiction”, em Inglês), tem a sua origem no latim, onde a palavra “addictus” significa “constrangimento pelo corpo” ou “acorrentados”. Partindo deste pressuposto, podemos nos referir à adicção como uma dependência física e/ou emocional em relação a determinadas substâncias, actividades e/ou relações. É caracterizada por uma procura obsessiva de gratificação imediata (prazer, euforia, redução de ansiedade, tensão, sofrimento) apesar de todas as consequências nefastas a diversos níveis (físicos, psicológicos, sociais, relacionais e financeiros). 

 Escrevendo sobre as consequências da adicção, o adicto apresenta uma total desgovernabilidade na sua vida, como a perda sucessiva de empregos, perda de valores morais, perda da capacidade de manter relacionamentos sociais e/ou familiares, perdas financeiras, violência, conflitos e/ou actividades criminosas. De referir, de igual modo, as consequências físicas e psicológicas.


 De um modo mais prático, posso escrever sobre, por exemplo, discussões com o patrão, com colegas, atrasos e faltas no emprego; falta de higiene, roubos à família, venda de material de valor sentimental, prostituição; atitudes de egoísmo, egocentrismo, arrogância, prepotência para com os que o rodeiam; gastos incalculáveis com os seus consumos; discussões físicas e verbais com amigos, familiares e desconhecidos; distúrbios de vários níveis, assim como roubos, assaltos, condução sob o efeito de álcool e/ou drogas e acidentes. 

Resumindo, existe um conjunto de sintomas que são evidentes nos comportamentos adictivos: a constante ou obsessiva preocupação em relação ao objecto de adicção, ou seja, um desejo forte ou compulsivo para consumir a substância, negligenciando outras áreas da sua vida; perda progressiva de controlo sobre o comportamento em causa, com óbvia perda de qualidade de vida; o acumular de consequências negativas nas diversas áreas de vida do indíviduo; a utilização de estratégias cognitivas que, como mecanismos de defesa, conduzem à negação do problema e ao engano do próprio e dos que o rodeiam, como a justificação e racionalização dos comportamentos de adicção, o adiamento das responsabilidades, a minimização das consequências, maximização das memórias associadas ao reforço e bem-estar alcançados com os comportamentos de consumo, o culpar fenómenos, pessoas e situações pelos comportamentos adictivos. 

Também de referir a presença de uma síndrome de abstinência perante a privação ou redução do objecto de adicção cuja experiência poderá ser de mau estar físico e psicológico, ansiedade e irritação, causando sofrimento e défices no funcionamento social, ocupacional e em outras áreas. 

Por outro lado, verifica-se um aumento da tolerância, isto é, há uma necessidade de aumentar progressivamente as quantidades de consumo para adquirir os efeitos desejados. 

Concluindo, penso ser importante referir que optei por escrever-vos sobre comportamentos de adicção e, de uma forma geral, como identificar possíveis comportamentos adictivos nos que nos rodeiam.